Defendiam “cura gay” e terminaram casadas
Casal precisou superar os próprios preconceitos e os da igreja que frequentava, para ficar junto; Casamento chega ao sexto ano
A farmacêutica Mariana, de 44 anos, e a pedagoga Adriana, de 51, se conheceram em uma igreja batista de Fortaleza, no Ceará, muitos anos atrás. No começo faziam correntes de orações em prol da vida familiar de Mariana, que tinha um casamento que se desmanchava e uma filha adolescente que anunciou estar namorando com outra garota. À adolescente, ambas oravam por uma “cura gay”. Nesse momento, elas jamais poderiam imaginar que um dia completariam 6 anos casadas.
A farmacêutica casou-se pela primeira vez aos 17 anos com um homem com quem estava apaixonada, mas o relacionamento não era fácil. Muito ciumento, o marido costumava brigar frequentemente com ela. Após 10 anos casada, a família entrou para a Igreja Batista, onde Mariana se viu muito mais pressionada a seguir o padrão conservador que se espera de uma “mulher de família”.
“Na Igreja era eu que tinha que mudar, pois ele era o homem. E assim foi a segunda metade do casamento, com machismo e relacionamento abusivo. Aos poucos, fui deixando de admirá-lo e comecei a me proteger. A forma como era tratada por ele não era condizente com o que espero de alguém que diz me amar”, desabafou ao Uol.
Aos poucos foi se envolvendo com as amizades da igreja, até como uma forma de se dar uma “folga” dos abusos domésticos. Um dia, Adriana telefonou para conversar sobre a situação de Mariana e, juntas, passaram a orar pelo casamento e a filha da farmacêutica. Não demorou até que se tornassem melhores amigas.
“No desenrolar, descobrimos que minha filha era lésbica e estava namorando uma menina da igreja. Foi terrível, eu não admitia de maneira nenhuma. Para mim, era um absurdo. Adriana também tinha irmãos homoafetivos e o sonho dela era que se ‘curassem’. Achávamos, em nossos devaneios, que Deus queria que fizéssemos algo sobre isso”, rememorou.
Por 3 anos seguidos, ambas leram a Bíblia de ponta a ponta e oraram pelos familiares. À época, Mariana interpretava a homossexualidade como doença, o que fez com que ela e o ex-marido arrancassem a porta do quarto da filha e tomassem seu celular. “Fiz ela sofrer”, lamenta a mãe.
Mas como o machismo não escolhe vítima, passou algum tempo e o chefe da casa, segundo a lógica da igreja, passou a controlar as idas de Mariana à igreja e deixava claro não gostar de sua amizade com as amigas solteiras. A mulher então começou a fazer terapia e após algumas sessões decidiu que queria abandonar a relação, o que só foi possível após uma grande briga doméstica.
Separada, chegou a namorar outros homens. “Adriana se afastou de mim quando me separei, achei que ela não ficaria próxima porque eu tinha saído da igreja, estava saindo com homens e ela tão da igreja… Achei que nossa amizade tinha acabado”.
Mas, na verdade, a amiga estava apenas com ciúmes da nova vida de Mariana. Quando se deu conta do sentimento, Adriana reconheceu estar apaixonada. “Foi assustadora a constatação. Chorei dias e dias. Condenava algo que eu mesma sentia, que estava dentro de mim”, avaliou Adriana. O sentimento de desejo e a auto repressão, eram recíprocos.
Adriana foi a primeira a expor os sentimentos. “Me deu a felicidade de poder viver isso que só existia na minha cabeça, mas também entrei em pânico”, disse Mariana. Elas então começaram a se relacionar e, aos poucos, foram contando a boa nova aos familiares e amigos.
O relacionamento delas já dura 8 anos, dos quais estão há 6 oficialmente casadas. “Acho que todos sabiam que éramos apaixonadas uma pela outra, só nós que não enxergávamos. Não tínhamos a maturidade, até pelo nosso preconceito”, avaliou Adriana.
As duas saíram da igreja, declaram não ter uma religião, mas seguem acreditando em Deus. “Sou cristã porque acredito em Jesus como modelo de uma pessoa que quero ser, mas Jesus não era preconceito, era a pessoa mais inclusiva que existia”, afirmou Mariana.
Ambas se sentem completas no novo relacionamento. “O casamento é totalmente diferente do que era antes. Foi surreal. Deus nos pregou uma peça e nos ensinou o que é o amor, e que não tem nada a ver com aquilo que a gente achava”, completou a farmacêutica.
Fonte: Revista Fórum