MPE pede prisão de tenente acusada de torturar aluno em treinamento
O Ministério Público do Estado de Mato Grosso (MPE), por meio da 24ª Promotoria de Justiça Criminal de Cuiabá Especializada da Defesa da Administração Pública e Ordem Tributária, denunciou e pediu a prisão preventiva na tarde de hoje, da tenente Bombeiro Militar Izadora Ledur de Souza Dechamps, por crime de tortura com resultado morte do aluno Rodrigo Patrício Lima Claro (à época, com 21 anos). Além dela, outros 5 militares também foram denunciados pelo mesmo crime.
Fato
O fato aconteceu no dia 10 de novembro de 2016, durante o treinamento de atividades aquáticas, em ambiente natural do 16º Curso de Formação de Soldado Bombeiro do Estado de Mato Grosso, realizado na Lagoa Trevisan, em Cuiabá. O MPE destaca que apesar de apresentar excelente condicionamento físico, o aluno demonstrou dificuldades para desenvolver atividades como flutuação, nado livre, entre outros exercícios.
Castigo
Consta na denúncia também, que embora o problema tenha chamado a atenção de todos, os responsáveis pelo treinamento não só ignoraram a situação como utilizaram-se de métodos totalmente reprováveis, tanto pela corporação militar, quanto pela sociedade civil, para “castigar” os alunos do curso que estavam sob sua guarda.
Conforme o MPE, depoimentos colhidos durante a investigação demonstram que a vítima foi submetida a intenso sofrimento físico e mental com uso de violência. A atitude teria sido a forma utilizada pela tenente Izadora Ledur para punir Rodrigo, por ele ter apresentado mau desempenho nas atividades dentro da água.
Em um dos depoimentos, por exemplo, foi relatado que em um determinado momento do treinamento a vítima estava com a cabeça baixa, reclamando de muita dor de cabeça, olhos vermelhos e vomitando água e que, mesmo assim, as atividades não foram interrompidas. O aluno chegou a se jogar no chão na posição fetal e com as pernas encolhidas, por não conseguir ficar em pé. Nesse momento, a tenente o teria humilhado perante todos.
“Os métodos abusivos praticados pela instrutora consistiram tanto de natureza física, por meio de caldos com afogamento, como de natureza mental utilizando ameaças de desligamento do curso com diversas ofensas e xingamentos humilhantes à vítima menoscabando sua condição de aluno”, diz um trecho da denúncia.
Acrescenta, ainda, que os outros bombeiros militares presentes no treinamento e também denunciados, mesmo observando as práticas delitivas cometidas por Izadora, quando tinham o dever legal de evitá-las, omitiram socorro a Rodrigo consentindo assim com a atitude criminosa da denunciada.
Em busca de socorro
De acordo com os depoimentos colhidos durante inquérito, após ter sido submetido a diversas torturas por parte da tenente Izadora Ledur, vomitando muito e apresentando fortes dores de cabeça Rodrigo foi obrigado a se deslocar sozinho até o 1º BBM-Batalhão de Bombeiro Militar, localizado na Avenida Agrícola Paes de Barros, no bairro Cidade Alta, em Cuiabá, para se apresentar ao tenente-coronel responsável pelo 16o CFSD, Licínio Ramalho Tavares e justificar a sua saída do treinamento, sendo utilizada para realizar tal trajeto, uma motocicleta de sua propriedade.
Consta que ao chegar no prédio do destacamento, se dirigiu até o gabinete do tenente-coronel Licínio e informou que não estava passando bem e por esse motivo teve que se ausentar da instrução realizada na lagoa. Nesse momento, verificando a peculiaridade da situação, foi designado pelo oficial que o cabo Joilson Nunes da Silva acompanhasse Rodrigo até o atendimento à Policlínica do Verdão, instalada a cerca de 200 metros do prédio do 1º BBM; trajeto esse, que foi realizado a pé pela vítima e pelo cabo. O primeiro atendimento teria ocorrido na Policlínica e mesmo após ter sido medicado, a vítima apresentou fortes dores de cabeça e por mais de uma vez sofreu crise convulsiva, oriundas dos inúmeros afogamentos sofridos durante a instrução.
Com a verificação da gravidade do quadro clínico da vítima, a médica que o atendeu solicitou transporte imediato de Rodrigo para um hospital, dada a sua suspeita de que ele estivesse manifestando um quadro de Acidente Vascular Cerebral-AVC e, devido às limitadas condições estruturais da Policlínica, a confirmação do diagnóstico, bem como o tratamento se tornariam inviáveis ali.
O pai de Rodrigo, Antonio Claro, foi localizado e informado da situação do seu filho, tendo acompanhado o deslocamento da vítima para o Hospital Jardim Cuiabá, onde o rapaz foi submetido a uma cirurgia de emergência para tentar reverter o seu quadro clínico, que segundo o neurocirurgião que o atendeu, era grave. A partir dessa data, Rodrigo permaneceu internado em uma Unidade de Acompanhamento do Hospital Jardim Cuiabá, vindo a óbito por hemorragia cerebral, no dia 15 de novembro do ano passado, às 22h.
Segundo o Ministério Público, o deslocamento de Rodrigo até o Batalhão para os primeiros socorros ocorreu em função de não haver na Lagoa Trevisan nenhuma Unidade de Resgate Móvel do Corpo de Bombeiros, já que das 2 Unidades existentes, uma estava “baixada” e a outra estava à disposição de outro evento – os Jogos Universitários. Sendo assim, todos os alunos executaram a travessia sem qualquer respaldo de atendimento de emergência, e Rodrigo Claro, ao passar mal, foi forçando a se deslocar sozinho até a sede do Corpo de Bombeiros, sem ter sido socorrido imediatamente no local dos acontecimentos.
Torturas
Para o MPE, o desenlace dos fatos, na ordem como ocorreram, desvela o nexo causal das sessões de tortura sofridas por Rodrigo e sua morte. Mesmo que a conclusão pericial tenha acordado que a causa do óbito se deu por hemorragia cerebral de causa natural, é fato que o intenso sofrimento físico e mental retratado nos “caldos” produzidos por Izadora Ledur levaram a vítima ao seu extremo e ocasionaram seu falecimento, haja vista as condições saudáveis que Rodrigo se encontrava antes de iniciar as atividades naquele trágico dia, bem como os exames obrigatórios apresentados no ato de sua matrícula no CFSD, que demonstram a total aptidão do aluno para a prática das tarefas.
Na denúncia, o promotor de Justiça destaca que o próprio laudo pericial confirma que Rodrigo não apresentava nenhuma anomalia ou doença congênita, que pudesse remetê-lo a esse estado urgente de saúde, ou seja, nada, naquele momento, a não ser a intensa sessão de tortura física e mental cometida pela tenente, poderia ter desencadeado esse quadro clínico na vítima, levando-a a óbito.
Pedido de prisão preventiva
De acordo com o promotor de Justiça Sérgio Silva da Costa a prisão preventiva da tenente Izadora Ledur foi requerida para a garantia da ordem pública, em razão da gravidade em concreto do crime que cometeu, posto que castigou Rodrigo durante todo o treinamento aquático que ministrou durante o 16º CFSD, inclusive em momentos anteriores a fatídica data de 10/11/2016, mostrando que essa atitude não emergiu de um rompante momentâneo ou mesmo foi fruto de uma condição passageira, mas sim por fazer, essa conduta, parte do perfil perverso da denunciada.
“A magnitude dos fatos apurados no presente caso revela também que a decretação da prisão da denunciada é necessária para assegurar o bom desenvolvimento da instrução criminal, até a total prestação jurisdicional, devendo ser considerado, ainda, o fato da existência de pujante hierarquia militar dentro da Corporação do Corpo de Bombeiros e que mesmo de forma velada, os alunos que almejam seguir carreira nessa Corporação, estão expostos a pressão exaurida pelos seus superiores, mais precisamente nesse caso, da denunciada Izadura, que ainda detém cargo de alta patente no Corpo de Bombeiros, fato esse que pode comprometer o devido andamento do processo, turvando a veracidade do ocorrido” afirmou o promotor de Justiça.
Perda de cargo e indenização
Além da condenação pela prática do crime de tortura seguida de morte, na denúncia o MPE também requer a perda do cargo público de bombeiro Militar de Mato Grosso e a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena a ser aplicada para os denunciados: Izadora Ledur de Souza Dechamps, Marcelo Augusto Revéles Carvalho, Thales Emmanuel da Silva Pereira, Diones Nunes Sirqueira, Francisco Alves de Barros e Eneas de Oliveira Xavier e a condenação na obrigação solidária de indenizar os danos causados pelo crime, sem excluir outras reparações devidas, consistente no pagamento das despesas como o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família, bem como na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima, cujos valores deverão ser apurados no decorrer da instrução criminal e atualizados até a data do efetivo pagamento.
Com assessoria