MPF: “Cabral recebia mesadas de empreiteiras em troca de contratos”
Segundo o Ministério Público Federal (MPF), o ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB) preso no início da manhã de hoje, recebia mesadas entre R$ 200 mil e R$ 500 mil de empreiteiras. Cabral foi preso pela Polícia Federal (PF), na Operação Calicute, por suspeita de desviar recursos de obras feitas pelo governo estadual com recursos federais. O prejuízo é estimado em mais de R$ 220 milhões.
Propina em obras
Segundo o Ministério Público Federal (MPF), Cabral chefiava a organização criminosa e chegou a receber R$ 2,7 milhões em espécie da empreiteira Andrade Gutierrez, por contrato em obras no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). O esquema também envolvia lavagem de dinheiro por meio de contratos falsos com consultorias e por meio da compra de bens de luxo.
“Há fortes indícios de cartelização de obras executadas com recursos federais, mediante o pagamento de propina a funcionários e a Sérgio Cabral”, disse Mário Semprine, procurador do MPF no Rio de Janeiro, em entrevista coletiva.
Segundo o delegado Tácio Muzzi, da Polícia Federal do RJ, os pagamentos de mesada a Cabral ocorreram entre 2007 e 2014. “Em relação à Andrade Gutierrez, houve o pagamento de mesada de R$ 350 mil, pago por 1 ano. Em relação à Carioca Engenharia, a mesada foi de R$ 200 mil no primeiro mandato de Cabral e de R$ 500 mil no segundo mandato.”
Muzzi afirmou ainda que a propina exigida pelo ex-governador era de 5% por obra, mais 1% da chamada “taxa de oxigênio”, que ia para a secretaria de Obras do governo, então comandada por Hudson Braga. O procurador José Augusto Vagos afirma que as empreiteiras se consorciaram para fraudar licitações. Elas já sabiam previamente quem iria ganhar as licitações.
De acordo com Vagos, as investigações sugerem que todas as empreiteiras participantes dos consórcios de grandes obras, como reforma do Maracanã, PAC Favela e Arco Metropolitano, pagaram essas porcentagens de propina. Assim, a força-tarefa estima que os desvios são superiores a R$ 220 milhões nos dois mandatos de Cabral.
Os dois operadores da propina, segundo o MPF, eram Hudson Braga e Wilson Carlos Cordeiro da Silva Carvalho, ex-secretário de governo do RJ. Eles estão entre os presos na operação desta quinta.
“O caso revelado hoje revela efeitos avassaladores da corrupção. E a sociedade sofre e muito com isso. Vemos claramente faltar o mínimo para a população. Essas investigações são importantes e tem que ser levadas até o fim, doa a quem doer”, afirmou o procurador do MPF do Paraná Athayde Ribeiro Costa.
Além de Cabral, outras sete pessoas tinham sido presas até as 8h15. O ex-governador foi alvo de dois mandados de prisão preventiva, um expedido pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro, e outro pelo juiz Sérgio Moro, em Curitiba.
A esposa de Cabral, Adriana Ancelmo, também é alvo de condução coercitiva – quando a pessoa é levada a depor e depois liberada. Segundo o MPF, foi determinado ainda o sequestro e arresto de bens do ex-governador e outras 11 pessoas físicas e 41 pessoas jurídicas.
Mandados judiciais
No Rio, foram expedidos 38 mandados de busca e apreensão, 8 de prisão preventiva, 2 de prisão temporária e 14 de condução coercitiva.
No Paraná, a Justiça expediu 14 mandados de busca e apreensão, 2 de prisão preventiva e 1 de prisão temporária.
A ação coordenada teve como base as delações premiadas do empresário Fernando Cavendish, ex-dono da Delta, da empreiteira Andrade Gutierrez e da Carioca Engenharia. As informações passadas pelos colaboradores estão sendo ratificadas por uma série de indícios e provas diretas levantadas pelo MPF, PF e Receita Federal
Supeitas de propina
A investigação teve como ponto de partida as delações de Clóvis Primo e Rogério Numa, executivos da Andrade Gutierrez, feitas no âmbito do inquérito do caso Eletronuclear.
Os dois revelaram à força-tarefa da Lava Jato que os executivos das empreiteiras se reuniram no Palácio Guanabara, sede do governo, para tratar da propina e que houve cobrança nos contratos de grandes obras. Só a Carioca Engenharia comprovou o pagamento de mais de R$ 176 milhões em propina para o grupo.
À Operação Lava Jato, os delatores Rogério Nora de Sá e Clóvis Peixoto Primo disseram que Cabral cobrou pagamento de 5% do valor total do contrato para permitir que a construtora Andrade Gutierrez associasse à Odebrecht e à Delta, no consórcio que disputaria a reforma do Maracanã, em 2009. Na época, o ex-governador negou que isso tenha ocorrido.
A Delta pertencia a Fernando Cavendish, amigo de Cabral que foi preso em julho, após o juiz Marcelo Bretas aceitar uma denúncia contra 22 suspeitos de participar de um esquema que desviou R$ 370 milhões dos cofres públicos.
O MPF do Rio, diz que identificou que “integrantes da organização criminosa de Sérgio Cabral lavaram fortuna imensa, inclusive mediante a aquisição de bens de luxo, assim como a prestação de serviços de consultoria fictícios”.
O desdobramento da Lava Jato em Curitiba revelou, segundo o MPF, os crimes de corrupção e pagamento de propina a Cabral, em decorrência do contrato celebrado entre a Andrade Gutierrez e a Petrobras, relativamente às obras de terraplanagem no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj).
“Foram colhidas provas que evidenciam que Sérgio Cabral recebeu, entre os anos de 2007 e 2011, ao menos R$ 2,7 milhões, da empreiteira Andrade Gutierrez, por meio de entregas de dinheiro em espécie, realizadas por executivos da empresa para emissários do então governador, inclusive na sede da empreiteira em São Paulo”, diz nota do MPF.
A investigação apurou ainda que apenas dois investigados, entre os anos de 2009 e 2015, efetuaram pagamentos em espécie, de diversos produtos e serviços, em valores que se aproximam de R$ 1 milhão de reais.
São investigados os crimes de pertencimento à organização criminosa, corrupção passiva, corrupção ativa, lavagem de dinheiro, entre outros. O crime de lavagem prevê pena entre 3 e 10 anos de reclusão; o crime de corrupção, entre 2 e 12 anos e o crime de integrar organização criminosa, pena entre 3 e 8 anos.
A ação foi chamada de Calicute em referência à uma região da Índia onde o descobridor do Brasil, Pedro Álvares Cabral, teve uma de suas maiores tormentas.
Com G1 Rio