‘Pílula do câncer’ é testada em seres humanos
Vinte anos após ter sido sintetizada e começar a ser distribuída pelo químico Gilberto Chierice no interior de São Paulo, a fosfoetanolamina, composto de nome complicado que se tornou sinônimo de polêmica, finalmente é posta à prova em humanos de acordo com padrões reconhecidos pelo governo e instituições de pesquisa .
Dois estudos clínicos conduzidos por entidades respeitadas no setor de oncologia estão dando os primeiros passos. Um deles, do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), é financiado pelo governo daquele estado. O outro, com financiamento dos Ministérios da Saúde e da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, é feito em parceria pelo Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos da Universidade Federal do Ceará (NPDM-UFC) e pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca), com sede no Rio de Janeiro.
“A questão mais crítica em relação à fosfoetanolamina é que ela não foi produzida, encapsulada e distribuída aos pacientes seguindo as boas práticas laboratoriais, farmacêuticas e clínicas”, avalia a coordenadora de Pesquisa e Educação do Inca, Marisa Dreyer.
Segundo ela, se desde o começo da produção do composto esses procedimentos tivessem sido seguidos, “já teríamos encontrado com segurança respostas a todas as perguntas”.
Os dois estudos obedecem a um protocolo aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), responsável por liberar a utilização e comercialização de medicamentos no país.
A primeira fase, chamada pré-clínica, tem testes in vitro (com células humanas ou de animais em laboratório) e experimentos in vivo (com animais como camundongos). Um dos principais objetivos nessa etapa é verificar a segurança (não toxicidade) da droga.
Esse estágio foi dispensado na pesquisa do Icesp pelo fato de a fosfoetanolamina vir sendo ministrada há anos a pacientes com câncer. Mesmo assim, o estudo iniciado no final de julho começou pela fase clínica 1, que visa testar a segurança da droga na ingestão das pílulas por seres humanos. Os primeiros resultados da fase atual devem sair em dois meses , mas todas as etapas da pesquisa previstas para antes da comercialização podem levar cerca de dois anos.
No caso do estudo financiado pelos ministérios, a fase pré-clínica, na Universidade Federal do Ceará, ocorreu no fim do ano passado e a avaliação com humanos pode começar este mês.
No dia 16, o Ministério da Ciência e Tecnologia divulgou os resultados de pesquisa sobre os efeitos da fosfoetanolamina em camundongos com melanoma. O estudo indicou que a substância foi capaz de reduzir o tumor, mas com efeito menor que a ciclofosfamida, já usada na quimioterapia contra o câncer.
Origem
A fosfoetanolamina foi sintetizada no Instituto de Química de São Carlos, da Universidade de São Paulo (USP), há cerca de 20 anos, pelo professor Gilberto Chierice. A substância tem sido usada sem autorização da Anvisa e vinha sendo distribuída de forma gratuita no campus da universidade em São Carlos.
Em 2014, a entrega foi suspensa depois que uma portaria do governo determinou que substâncias experimentais, deveriam obter todos os registros antes de serem liberadas à população.
O assunto ganhou repercussão. Em setembro de 2015, o Senado entrou nas discussões, com pronunciamentos de senadores e audiências públicas.
Nos debates, que contaram com Chierice e diversos especialistas, as posições divergiram. Alguns pesquisadores relataram casos de regressão do câncer pela substância. Outros apontaram a necessidade dos estudos controlados em humanos.
Os primeiros testes com a fosfofetamolamina mostraram que ela não é tóxica para os seres humanos, mas também que ela não tem eficácia maior que outros medicamentos, que já existem e são usados no tratamento do câncer.
Com Agência Senado