“Teori Zavascki era uma pedra no caminho de Moro e Dallagnol”, diz Folha de SP
Em mais um capítulo do esquema da “Vaza Jato”, veiculado hoje, domingo (23) pelo site The Intercept em conjunto com o jornal Folha de São Paulo e que entra na fase das denúncias hiper gravíssimas, o procurador federal Deltan Dallganol teria articulado apoio a Sérgio Moro, então juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba (PR), receosos que diante de tensão com Supremo Tribunal Federal (STF), fossem paralisadas as investigações, num momento crítico para a força-tarefa em 2016.
Nas conversas reproduzidas por ambos os órgãos de comunicação, Deltan teria discutido com Moro, medidas para evitar desgaste por divulgação de planilhas envolvendo políticos.
Leia a matéria de hoje, da Folha de São Paulo:
“O objetivo era evitar que a divulgação de papéis encontrados pela Polícia Federal na casa de um executivo da Odebrecht acirrasse o confronto com o STF ao expor indevidamente dezenas de políticos que tinham direito a foro especial — e que só podiam ser investigados com autorização da corte.
O episódio deixou Moro contrariado por criar novo foco de atrito com o Supremo, um dia depois de ele ser repreendido pelo tribunal, por causa da divulgação das escutas telefônicas que tiveram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como alvo naquele ano.
As mensagens indicam que os procuradores e o então juiz, temiam que o ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no STF, desmembrasse os inquéritos que estavam sob controle de Moro em Curitiba e os esvaziasse, num momento em que as investigações sobre a Odebrecht avançavam rapidamente.
Os diálogos sugerem que o incidente foi causado por um descuido da Polícia Federal no dia 22 de março de 2016, quando ela anexou os documentos da Odebrecht aos autos de um processo da Lava Jato sem preservar seu sigilo, o que permitiu a divulgação do material por um blog mantido pelo jornalista Fernando Rodrigues na época.
Assim que soube, do dia seguinte, Moro escreveu ao procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, para reclamar da polícia e avisar que acabara de impor sigilo aos papéis.
“Tremenda bola nas costas da Pf”, disse. “E vai parecer afronta”, acrescentou, referindo-se à reação que esperava do Supremo.
Moro avisou que teria de enviar ao tribunal pelo menos um dos inquéritos em andamento em Curitiba, que tinha o marqueteiro petista João Santana como alvo.
Deltan disse ter contatado a Procuradoria-Geral da República e sugeriu que o juiz enviasse outro inquérito, com foco na Odebrecht.
Horas depois, o procurador escreveu novamente a Moro para discutir a situação e sugeriu que não tinha havido má-fé na divulgação dos papéis pela PF.
“Continua sendo lambança”, respondeu o juiz, no Telegram. “Não pode cometer esse tipo de erro agora.”
Deltan procurou então encorajar Moro e lhe prometeu apoio incondicional.
“Saiba não só que a imensa maioria da sociedade está com Vc, mas que nós faremos tudo o que for necessário para defender Vc de injustas acusações”, escreveu.
Moro disse que temia pressões para que sua atuação fosse examinada pelo Conselho Nacional de Justiça e comunicou que mandaria para o Supremo os três principais processos que envolviam a Odebrecht, inclusive os que a força-tarefa tinha sugerido manter em Curitiba.
Deltan prometeu ao juiz que falaria com o representante do Ministério Público Federal no CNJ e sugeriu que tentaria apressar uma das denúncias que a força-tarefa estava preparando.
A medida permitiria que o caso fosse encaminhado ao STF já com os acusados e crimes definidos na denúncia.
O vazamento das mensagens expôs a proximidade entre Moro e a força-tarefa e pôs em dúvida sua imparcialidade como juiz na condução dos processos da Lava Jato, obrigando-o a ir até uma comissão do Senado para se explicar na última quarta-feira (19).
Moro, que deixou a magistratura no ano passado para ser ministro da Justiça no governo Jair Bolsonaro (PSL), diz não reconhecer a autenticidade das mensagens obtidas pelo Intercept, considera sua divulgação sensacionalista e nega ter cometido ilegalidades na condução da Lava Jato –o que deve ser avaliado nesta semana pelo Supremo.
A força-tarefa da Lava Jato também não reconhece as mensagens como autênticas, mas, assim como Moro, não apontou indícios de fraude nos diálogos revelados.
Segundo a legislação, juízes devem se manter imparciais diante da acusação e da defesa.
Se estiverem de alguma forma comprometidos com uma das partes, devem se considerar suspeitos e, assim, ficam impedidos de julgar a ação.
Quando isso ocorre, o caso é enviado para outro magistrado.
As mensagens mostram também que procuradores e policiais se mobilizaram em diversos momentos para manter o juiz como um aliado da força-tarefa, seguindo sua orientação até mesmo quando criticou uma procuradora cujo desempenho numa audiência lhe parecera fraco.
No caso da lista da Odebrecht, Deltan procurou o delegado Márcio Anselmo, que chefiava as investigações sobre a empresa, minutos depois de receber a reclamação do juiz.
“Moro está chateado”, escreveu. “Vai apanhar mais do STF, porque vai parecer afronta”, acrescentou, repetindo a palavra usada pelo juiz antes.
O procurador sugeriu que o policial fizesse uma análise mais aprofundada da lista para verificar se os valores correspondiam a contribuições políticas feitas legalmente ou não e fez um apelo.
“Por favor nos ajude a pensar o que podemos fazer em relação a isso”, escreveu.
Anselmo respondeu no fim do dia, de acordo com as mensagens.
Disse que correra para anexar os papéis aos autos dentro do prazo legal e que não via motivo para “todo esse alvoroço”, acrescentando a Deltan que parte do material já tinha sido exibido a três integrantes da força-tarefa um mês antes, quando foi encontrado.
Deltan afirmou ao delegado que ele cometera um erro na sua avaliação e pediu que fosse mais cuidadoso.
“O receio é que isso seja usado pelo STF contra a operação e contra o Moro. O momento é que ficou ruim”, explicou. “Vem porrada.”
No fim da noite, Moro pediu a Deltan que ajudasse a conter o grupo antipetista MBL (Movimento Brasil Livre), após um protesto em frente ao apartamento do ministro Teori Zavascki em Porto Alegre, em que militantes estenderam faixas que o chamavam de “traidor” e “pelego do PT” e pediam que deixasse “Moro trabalhar”.
“Nao sei se vcs tem algum contato mas alguns tontos daquele movimento brasil livre foram fazer protesto na frente do condominio.do ministro”, digitou Moro no Telegram, no fim da noite.
“Isso não ajuda evidentemente.”
Deltan disse que ia procurar saber, mas observou que talvez fosse melhor não fazer nada.
“Não sendo violento ou vandalizar, não acho que seja o caso de nos metermos nisso por um lado ou outro”, disse.
Mais tarde, o procurador disse que a força-tarefa não tinha contato com o MBL, e Moro não insistiu mais no assunto.
Em 28 de março, após receber manifestação formal do Ministério Público sobre os processos, Moro mandou para o STF dois inquéritos e uma ação penal que estavam em andamento em Curitiba, incluindo os autos com a lista da Odebrecht, para que Teori decidisse o que fazer com eles.
“O ideal seria antes aprofundar as apurações para remeter os processos apenas diante de indícios mais concretos de que esses pagamentos seriam também ilícitos”, anotou em seu despacho.
“A cautela recomenda, porém, que a questão seja submetida desde logo ao Egrégio Supremo Tribunal Federal.”
Em 22 de abril, Teori decidiu devolver os três processos a Curitiba, mantendo no STF somente as planilhas da Odebrecht que listavam políticos, que foram preservadas sob sigilo. Primeiro relator da Lava Jato no Supremo, Teori morreu num acidente aéreo em janeiro de 2017.
A retomada dos inquéritos foi importante para o avanço das investigações sobre a Odebrecht.
Nessa época, os procuradores já haviam convencido uma funcionária do departamento responsável por pagamentos de propina da empreiteira a cooperar e estavam começando a negociar acordos de delação premiada com os principais executivos da empresa.
Procurado, Moro afirmou que sempre respeitou o MBL e voltou a criticar invasão de celulares.
Já equipe de procuradores da Lava Jato não se manifestou até a publicação desta reportagem.
Segundo levantamento feito pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a pedido da Folha na semana passada, 55 processos foram abertos para examinar a atuação de Moro na Lava Jato e 34 já foram arquivados sem punição para o ex-juiz, incluindo diversas reclamações por causa da divulgação das escutas em 2016. (Ricardo Balthazar e Flavio Ferreira, da Folha; Rafael Moro Martins e Amanda Audi, do The Intercept Brasil)”
Viagem aos EUA
Vale lembrar, que Sérgio Moro viajou ontem (22) para os Estados Unidos, acompanhado, dentre outros por Maurício Aleixo – diretor da Polícia Federal -, onde tem visitas agendadas no Federal Bureau of Investigation (FBI), em Washington; na sede da força-tarefa conjunta de Investigação Cibernética Nacional (National Cyber Investigative Joint Task Force (NCIJTF); e no Centro Internacional de Operações e Inteligência de Anti-Crime Organizada (IOC-2), devendo retornar ao Brasil somente na quinta-feira (27), ignorando o convite para prestar depoimento na quarta-feira (26) à Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, para explicar as denúncias sobre a Vaza Jato.