TI Tadarimana, em Rondonópolis, é liderada pela primeira cacique trans do Brasil

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Reprodução/ Projeto Corpo Espetáculo/Joicy Souza)

Majur é cacique da TI Tadarimana (Reprodução/ Projeto Corpo Espetáculo/Joicy Souza)

Majur Traytowu é a líder da aldeia Apido Paru, na Terra Indígena (TI) Tadarimana
Desde a infância, ela já sentia que seu corpo era feminino e que um dia se tornaria Majur. Prestes a completar 32 anos “bem vividos”, como afirma a bororo Majur Traytowu, a primeira indígena transexual a se tornar “cacique” no Brasil.
Líder da aldeia Apido Paru, na Terra Indígena Tadarimana, em Rondonópolis, Majur divide o seu dia entre participações nas atividades culturais da aldeia e buscas por mais informações referentes a sua tão sonhada mudança física.
Desde os 5 anos, vestidos e bonecas a atraiam. Mas foi somente no início da adolescência, que compreendeu que era uma pessoa transexual.
“Naquela época, para mim, era bem difícil entender o que era uma pessoa trans. Assim como naquela época era difícil também, entender do mundo de fora [da comunidade]. Quando estava desenvolvendo o meu corpo, fui começando a perceber e a me entender um pouco mais”, declara Majur.
Embora ela já se reconhecesse como uma mulher, foi apenas em 2017 que Majur teve contato com informações sobre tratamento hormonal para pessoas trans. Na ocasião, a indígena acompanhava o irmão durante um procedimento cirúrgico, em um hospital de Cuiabá.
Durante os intervalos em que ficava com o irmão, Majur realizava sessões de conversas com uma psicóloga do hospital. A profissional a alertou sobre a possibilidade de dar início ao tratamento, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS).
Assim, ao chegar na comunidade indígena, Majur conversou com profissionais da Saúde que a ajudaram no pontapé inicial para o seu processo de transição.
Atualmente, Majur narra que pouca coisa mudou em sua aldeia. Segundo ela, preconceito nunca foi um problema dentro de sua comunidade. Desde o início de sua transição, a relação com os membros da Apido Paru não sofreu alterações.
“O meu desenvolvimento social com as pessoas dentro da comunidade é bem tranquilo, desde o começo. Mas eu coloco respeito para eles me respeitarem. Se houve algum episódio contra a minha pessoa, eu não lembro”, declara.
Liderança indígena
Preocupada com o bem-estar de sua comunidade, no ano de 2018 ela foi uma das agentes de Saúde que atendiam a comunidade indígena. Mas precisou renunciar o cargo em 2022, para se dedicar à liderança dos Apidos.
“Trabalhar em duas coisas ao mesmo tempo, fazia com que às vezes eu deixasse a Saúde para atender a comunidade ou a comunidade para atender a Saúde. Teve momentos em que eu até esquecia que existia, porque me dedicava mais ao trabalho comunitário de atender as pessoas como cacique ou como agente de saúde. Então, tive que optar entre o cargo de cacique ou ao de agente de Saúde. Renunciei ao de agente de Saúde”, afirma ela.
Diferente de outras etnias, o cargo de líder dos Bororos não é hereditário. Os caciques são escolhidos, por meio de uma votação.
Com mais de 100 indígenas residentes na aldeia, Majur foi nomeada cacique dos Apidos ainda em 2021, quando seu pai que era o cacique ficou doente.
Mas apesar do título ser recente, suas atividades na aldeia começaram há muitos anos. Fluente em português e Boe Wadáru, língua dos Bororos, Majur já residiu em inúmeras aldeias na região, mas foi após a morte do avô que sua mãe decidiu fixar morada em meio aos Bororos da Tadarinama. Foi assim que em 2017 ela retornou para as terras de seus avôs, participando da fundação da aldeia Apido Paru.
Sem energia, água e sinal de telefonia, Majur e a família iniciaram um longo processo para fundar a jovem aldeia. Mesmo com pequenas conquistas e melhorias na estrutura da comunidade, ela ainda luta por trazer mais desenvolvimento para a comunidade.
“Acho que a minha maior preocupação é estruturar a aldeia. Porque precisamos de verba pública dos poderes municipal, estadual ou federal. Nós dependemos muito disso ainda, porque tem aldeias que já tem carros, tratores que ajudam a atender a comunidade, mas nós não temos isso ainda.” afirma a indígena.
Com o cargo de liderança e o processo de transição de gênero, Majur se diz honrada em poder ser uma figura de representatividade.
“Eu espero que as pessoas LGBTIQIA+ e indígenas possam se sentir representadas por mim. Nos últimos anos nós passamos por momentos bem turbulentos; por muitos xingamentos nas ruas. Então, para mim, está sendo uma honra estar liderando e trabalhando com o meu povo” finaliza.
Fonte: Mídia News

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