Qualidade da água poderá ser monitorada dentro de casa

(Reprodução/IURD)

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Sensor criado na USP pode ajudar pessoas comuns a fiscalizarem a presença de compostos químicos na água, que sai das torneiras. Baixo custo e uso de matéria-prima sustentável também são atrativos
O monitoramento da qualidade da água é comumente feito por sondas e análises de amostras em laboratório. Um dispositivo desenvolvido por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) pode facilitar o processo, tornando-o mais barato e acessível. A equipe criou sensores portáteis, fabricados com papel e nanopartículas de ouro, que conseguem identificar substâncias que podem comprometer a qualidade do líquido sem a necessidade de um profissional especializado.
Donas de casa, segundo os criadores, poderão vigiar a qualidade da água que usam para cozinhar. “A ideia era disponibilizar uma tecnologia de amplo acesso e custo reduzido, visando possibilitar a utilização dos sensores pela população em geral e fora do laboratório”, explica Thiago Regis Longo Cesar da Paixão, um dos autores do estudo e coordenador do Laboratório de Línguas Eletrônicas e Sensores Químicos do Instituto de Química da USP (IQ-USP).
A produção dos sensores teve duas etapas. De início, um laser de gás carbônico (CO2) foi utilizado para realizar um processo, chamado pirólise, sobre o substrato de papel para transformá-lo em uma estrutura grafítica, similar ao grafeno, que, além de bastante condutora, é ideal para a fabricação de eletrodos. Em seguida, foi adicionada uma solução de nanopartículas de ouro (AuNPs), sintetizadas com o mesmo laser de CO2, na superfície do eletrodo. O elemento químico é conhecido por ser um bom condutor elétrico, e o uso do laser retira o processo de manipulação humana na produção, reduzindo custos.
Nos testes, o sensor foi utilizado para detectar o hipoclorito de sódio (NaClO). O composto químico é comumente utilizado para purificar a água, mas pode ter como resíduo o ácido hipocloroso (HClO). “O HClO pode ser prejudicial em concentrações elevadas, e o monitoramento do NaClO no usuário final é fundamental para quantificar os níveis de exposição”, explicam os autores do estudo, publicado, recentemente, na revista Sensors & Diagnostics e financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Os resultados do experimento indicam que as nanopartículas de ouro conseguiram melhorar o desempenho eletroquímico do sensor, permitindo a identificação mais rápida do hipoclorito de sódio nas amostras. Além da agilidade, o preço da solução tecnológica chama a atenção. Segundo os criadores, cada unidade do sensor custa cerca de R$ 0,50. A equipe também enfatiza que o dispositivo pode ser reproduzido em qualquer lugar do mundo, em larga escala, não dependendo de etapas que demandam manuseio humano.
Paixão explica, que os sensores foram fabricados para serem utilizados de forma descartável. “Contudo, podem ser armazenados quando não utilizados. Aqueles deixados de uma semana para a outra tiveram resultados iguais aos recém-fabricados”, conta. “Mais testes precisam ser realizados, visando à determinação do tempo de estocagem dos dispositivos fabricados.”
Outros usos
Na avaliação de Marcelo Rodrigues dos Santos, professor de química do Instituto Federal de Brasília (IFB), o uso das nanopartículas de ouro é promissor, uma vez que elas aumentam a condutividade do papel e ampliam a atividade elétrica do eletrodo, o que intensifica a sensibilidade do dispositivo. “Elas têm como base um dos metais mais quimicamente inertes e biocompatíveis que existem na natureza”, explica.
De acordo com Santos, o dispositivo também apresenta potencial sustentável, uma vez que é fabricado com papel, material biodegradável e de baixo custo, o que reduz o impacto ambiental do descarte. “Como o dispositivo é montado a partir de materiais a base de celulose e não utiliza reagentes tóxicos, é totalmente sustentável”, diz.
Solange Kazumi Sakata, membro da Comissão Técnica de Energia do Conselho Regional de Química de São Paulo (CRQ-SP), acredita que a solução tecnológica pode ajudar a avaliar condições além da qualidade da água. “Dependendo das nanopartículas usadas e de modificações, poderia ser utilizada para monitorar poluentes atmosféricos, detectar doenças e substâncias químicas em alimentos, na análise de amostras clínicas, entre outras aplicações”, sugere.
Sakata também destaca que a tecnologia depende de menos energia para funcionar e facilita a detecção da situação da água de forma mais rápida. “A síntese de nanopartículas de ouro por laser é uma abordagem eficiente e precisa, minimizando a quantidade de reagentes químicos e energia necessários”, explica a bacharel em química. “Além disso, a capacidade de identificar compostos químicos em campo permite a medição em áreas de difícil acesso, contribuindo para a preservação da saúde pública e ambiental.”
Limitações
Apesar das potencialidades, os sensores apresentam alguns obstáculos a serem vencidos. Leonardo Giordano Paterno, professor do Instituto de Química (IQ) da Universidade de Brasília (UnB), avalia que o manuseio não especializado pode ser um fator limitante. “Do ponto de vista prático, a principal limitação é o uso por pessoas não especializadas — por exemplo, uma dona de casa que queira avaliar a qualidade da água que sai da torneira”, ilustra. “Isso poderá ser contornado com a integração do sensor a uma interface homem-máquina mais amigável. Seria necessário também substituir o ouro por outro metal mais barato”, indica.
Há o risco de o sensor ser sensível a substâncias presentes nas amostras, o que poderia afetar a precisão das medições, observa Sakata. “A especificidade do sensor para determinados compostos pode ser afetada pela presença de outras substâncias químicas semelhantes. Além disso, a estabilidade das nanopartículas e sua adesão ao papel podem influenciar a durabilidade do sensor em condições adversas”, explica.
A tecnologia está em processo de patenteamento. Para o futuro, a equipe deseja potencializar as vantagens do sensor a partir da síntese de nanomateriais associada à impressão 3D. “Queremos criar um dispositivo para análises médicas feitas pelo sistema público de saúde, como medição de níveis de glicose, ou que possa ser usado como vestível para monitoramento em tempo real”, afirma Paixão.
Resposta em minutos
“A qualidade da água é determinada pela medição de vários parâmetros físico-químicos, a depender do tipo de uso — por exemplo, para beber, uma piscina ou irrigação de uma lavoura. Embora não tenha sido explorado no artigo, outras espécies químicas de interesse à qualidade da água podem ser medidas, como cloreto, nitrogênio amoniacal ou mesmo poluentes, como metais pesados ou pesticidas. A vantagem é que a medição é muito mais simples e rápida, com resposta na ordem de minutos”, destacou Leonardo Giordano Paterno.
Fonte: Correio Braziliense

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